Marianne

Você é o melhor jogador em questão de manipulações
Você se sentiu mais aliviado quando encontrou outra pessoa pra carregar sua culpa?
Foi mais fácil jogar a responsabilidade nas pessoas mais próximas de mim?
A intenção era para que eu me distraísse dos seus erros
Você teve uma tarde para corrigir todos os erros
Mas você não corrigiu...
Eu ainda estou tão magoada
Parece que foi ontem
Eu preferia que tivesse me traído
Que tivesse falado o nome de outra pessoa ao me beijar
Eu preferia ter um fim mais plebeu
Não uma despedida sem motivos construtivos
E ainda assim você me pede pra continuar
Você me abraça depois me deixa de joelhos a chorar...
Tivemos alguns meses para ser feliz
Mas eu não lembro o que estávamos fazendo
Só tenho a certeza de que ser feliz não era...
Eu fico remoendo o passado
Como alguém tentando tirar um espinho dos dedos
E eu me questiono onde foi que eu errei contigo
Eu era tão perfeita, tão submissa, tão dedicada
Talvez eu fosse boa demais pra você
Talvez os relacionamentos devam ter um pouco de ira
Será que eu falei muito?
Ou foi o meu silêncio que estragou o pouco que tínhamos?
E agora longe de mim?
Você se sente realizado?
Você não me falou que estava feliz depois de tantos anos afastados...
Marianne

Ao meu redor vejo as mesmas pessoas
Elas estão desgastadas como fotos de décadas passadas
Todas elas estão datadas e observadas por alguém
Cada foto é uma memória
Cada pessoa é o motivo da memória
Crianças brincam sem questionarem sobre a existência
Adultos trabalham sem questionarem sobre a vivência
Ninguém parece ter a resposta para tudo
Mas todos deveriam ter ao menos a pergunta para tudo
Só irão pensar o tanto que viveram quando ouvirem “feliz aniversário”
É o único dia que as pessoas conseguem voltar a si mesmas
Eu sei que sempre falo demais
Mas quando foi o momento que passamos a agir como se ser uma pessoa ruim é melhor que ser uma pessoa boa?
Fomos traídos? Fomos usados? Fomos magoados?
Se machuco meus dedos o sangue corre por minhas digitais
Como se corressem por um labirinto sem destino
E é assim que nós estamos nos sentindo
Sem destino, aprisionados num labirinto que está na palma de nossas mãos
Marianne

As coisas não estão melhores
Eu deixei que seus lábios sangrassem?
Eu senti o leve gosto de ferrugem em seu beijo
Embora eu tenha degustado de um doce mel
Está tarde para entender porque agimos indiferentes
Se naquele instante tudo parecia ser bem vindo
Houve alguma espécie de redenção pela traição?
Ou uma consciência que começara a penar em ti?

Você está me ignorando ou eu que estou fazendo isso?
Estamos com medo de dizer que não nos queremos mais?
Porque os relacionamentos são tão devastadores?
Alguns dizem que amam seus parceiros
Enquanto os pensamentos estão em outra?

Está tarde para arrumar as lacunas do amor?
Está tarde para cantar uma última música?
Se vocês amam tanto seus amantes
Porque os traem sem o mínimo de consciência?
Marianne

E nesse quarto escuro me encontro mais uma vez reprimida
Isolada com um vinho barato e um cigarro podre
Minhas unhas estão roxas de frio não quero sair daqui
Mas lá fora todos estão se divertindo e me chamando
E eu sempre invento novas desculpas pra me isolar cada vez mais
Teria eu me acostumado com a solidão?
Teria eu criado uma rotina viciosa?
Queria só ter certeza se lá fora está menos chato do que aqui dentro...
Marianne

Perdi meus amores
Como um galho espinhoso perde suas rosas
Perdi meus amores
Como Ícaro perdeu suas asas de cera
Perdi meus amores
Como o demônio perdeu os céus
Perdi meus amores
Perdi tudo o que sou

Eles estão rindo e eu não sei a graça
Talvez seja um segredo entre dois
Os amantes são tão infantis
Os amantes refletem a minha solidão juvenil

Perdi meus amigos
Como os olhos perdem suas lágrimas
[elas jamais retornam]
Perdi meus amores
Como um bem-te-vi perdendo o seu canto
Perdi meus amores
Quando perdi você.
Marianne

Sinto como se um fenômeno estivesse acontecendo e a minha percepção está deixando-o passar. Todas aquelas pessoas ali que deixaram seus passos na minha história, angustiavam-se pelo mesmo motivo: o retrato congelado de um ser entre as flores. Talvez seja assim, quando caminhamos, dependendo da profundidade da pegada deixada, fica a saudade de alguém presente, mas com sua alma ausente.

Então é assim, de que vale o corpo se a consciência vai se propagando no ar, como bolhas de sabão das quais não podemos segurar? De que vale a existência? A vida mal conclui de dar uma martelada em nossos dedos e antes que a dor passe, ela volta novamente a descer o martelo... Nunca escapamos. Será que nos adaptamos com a dor?

Os passos se aproximavam como que queria afastar e se afastava como quisesse se aproximar; tão contraditória é a vida humana! Aquele momento de tristeza deveria ser sentido até sua última dose, até as lágrimas cessarem, até ter a certeza que foi possível retirar as mãos depois da martelada que quebrou todos os dedos...

Todo luto é eterno.

O sinos dobram mais uma noite por alguém.
Marianne

Por que tenho saudades
de você, no retrato,
ainda que o mais recente?
E por que um simples retrato,
mais que você, me comove,
se você mesma está presente?
Talvez por que o retrato,
já sem o enfeite das palavras,
tenha um ar de lembrança.
Talvez por que o retrato
(exato, embora malicioso)
revele algo de criança
como, no fundo da água,
(um coral e, repouso).
Talvez pela idéia de ausêcia
que o seu retrato faz surgir
colocado entre nós dois
(como um ramo de hortência).
Talvez porque o seu retrato,
embora eu me torne oblíquo,
me olha sempre de frente
(amorosamente).
Talvez porque o seu retrato
mais se parece com você
do que você mesma (ingrato).
Talvez porque, no seu retrato,
você está imóvel (sem respiração...)
Talvez porque todo retrato
é uma retratação...

Cassiano Ricardo
Marianne
 
(...)

   Seus pais fizeram isso em nome do amor, embora, talvez a grande maioria nunca o tenha conhecido, não tenha fluído nele. Conhecem posse, ciúmes, poder, domínio, escravidão, mas não amor. Dizem e acreditam que amam a criança, mas o que realmente estão fazendo é injetando conhecimentos cheios de medo, prevenção e insegurança, transmitidos de geração em geração. Pouco a pouco, ensinam a criança a ser outra, a se parecer com as outras, e ela não tem outra alternativa senão fingir; então, começa a agir com hipocrisia. Com o passar dos anos, esse comportamento se transforma em um hábito inconsciente. Algum dia, alguém lhe dirá: “Por que está triste? Por que não sorri mais como antes?”. Que ironia! Se semeia limão, como quer colher laranja?

    A única certeza é que, para satisfazer os outros, a criança aprende a sutil arte da manipulação. Torna-se calculista, fria e rígida, e sua essência, que era amor, começa a se deteriorar, vai adormecendo; o medo começa a reinar em sua vida.
   
   Então, pergunto: que tipo de educação estamos recebendo e dando a nossos filhos? Ensinam-nos que a etiqueta, os “bons modos” e a suposta cultura projetada por meio das máscaras sociais da hipocrisia, que busca poder, aprovação, prestígio e reconhecimento, é o caminho para vencer. Então... onde fica a essência do ser humano?

Obra: Eu te amo mas sou feliz sem você.
Autor: Jaime Jaramillo
Editora: Academia
Tradução: Sandra Martha Dolinsky