Marianne

Não era mais que um indivíduo de seis anos de idade, pouco se sabia do real e das projeções psicológicas, todas aquelas imagens aparecendo junto com o som, nas badaladas do sino da igreja central, na pequena cidade povoada por italianos “sangue quente”. O som ressonava pelos ares e as crianças acordavam, e aquele indivíduo via, nos corredores de baixa luz, pessoas a caminharem pela sua casa. São assaltantes? Invasores? Passava as mãos entre a imagem incógnita que assombrava e então desaparecia. Permeava diariamente em sua mente a tentativa de significar o fato, o objeto, a cena, e a resposta ninguém conseguia conceber. Os livros, os livros não são bons ou ruins, mas bem ou mal interpretados... Misticismo, uma leitura mal feita arrasta tal indivíduo de meio metro de altura aos primeiros passos de um mundo insano, mas um mundo em que a loucura é a chave para abrir a porta que escondia todas as respostas, respostas essas que são certas e erradas, depende dos olhos que lêem, depende da percepção pessoal, depende da cultura, dos fatores externos, internos, dependência de tudo o que rodeia o sujeito e de tudo o que o sujeito rodeia. E assim nossa personagem continua e os dias passam como os segundos e de seis anos já se vê com doze e sua curiosidade a arrasta da teoria á prática e a loucura já se tornam parte do indivíduo, como um membro anatômico, a loucura pertence ao ser, assim como o ser a pertence. Dos doze anos já estamos aos dezesseis, nesse intervalo a mente insana já não armazenava nada do que era real, pois a dúvida da sua existência era a única coisa que para si parecia realmente existir, somente a dúvida, nada mais. Então ajudar a si mesmo já não era possível para nosso indivíduo, busca a ciência, os profissionais da psique, e apenas com alguns garranchos o profissional descreve, significa, define, cria e determina, esse sujeito é esquizofrênico; o uso de drogas é de emergência. O mal estar na civilização é lido perfeitamente nesse caso consumado. Um louco é uma ameaça para a sociedade, os entorpecentes denominados permitidos, legais perante a lei já não dissipam no organismo deteriorado pelos testes dos doutores da psique, esse indivíduo foi apenas uma cobaia que eles queriam sedar, mas falhou... Falha, a ciência não pode falhar, é o orgulho que está em jogo, carta, vamos para a carta, carta para uma clínica especializada em loucos, lugar em que qualquer louco se torna o além do louco, e o sadio vira suicida, o indivíduo já não responde por si mesmo, ele vegeta, sua voz não sai, dopado, sofre com o desequilíbrio da dopamina e serotonina. EFEITO, está sofrendo um efeito, de uma CAUSA, uma causa que não consegue encontrar, então tem que retornar ao passado para poder viver o presente e sobreviver projetando um futuro. Não, não deixaremos o manicômio entrar na rotina do indivíduo... Máscaras, há uma coleção de máscaras escondida dentro de cada um, o indivíduo encontra e aprende a usar e então ele se encaixa novamente na sociedade e a sociedade o aceita, mas as feridas não foram cicatrizadas, as frustrações não foram superadas e a loucura caminha ainda do seu lado, sussurrando ações prazerosas, ações banais, intui nosso indivíduo e ele finge de surdo, mas a loucura ainda está ali, esperando uma trinca na parede para invadir novamente, a loucura quer ação, quer reação... Eles negam, renunciam, rejeitam o fato, porque o único doutor da psique desse indivíduo e de tantos os outros é a própria loucura, que eles tanto faz para adormecê-la, pois não é capaz de matá-la. 

 Uma fábula sobre um pierrot contemporâneo...
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