Marianne


  *.¸¸. O CORVO, A CORUJA BRANCA E A SOLIDÃO .¸¸.*
II


"Sofri uma queda física e me feri dentro da selva, e nesse instante de silêncio em que o chão foi o meu travesseiro mais macio, descobri por mim mesma o quanto dói perder – seja o que for – mas perder faz parte da existência de todos os seres. Visto que mesmo que eu perdesse minhas garras, eu não deixaria de ser a Coruja Branca.

A Solidão veio ao meu encontro, antes de qualquer outra companhia, mas delicadamente ela me falou que ela jamais será capaz de cuidar das minhas feridas, que ela jamais será minha muleta, ela é apenas uma presença ausente de espera, um éter, que nada pode fazer a não ser chegar quando eu chamar, nada além disso, mas todos a tratam como se fosse tão avassaladora e destrutiva... Vi a Solidão com novos olhos e me desesperei, embora senti muita pena dela.

Ninguém gosta de ser considerado - nem pelo outro, nem por si mesmo - como muleta do outro, mas já notou um castelo de cartas? Tradicionalmente, eles são feitos por cartas deitadas e inclinadas, são tão difíceis de montá-los, e tão fácil de destruí-los, os ventos se divertem com isso! Mas não há cartas totalmente de pé... Elas se inclinam para apoiarem uma nas outras, só assim formam o castelo, e mesmo vendo-se como apoio de outra carta, reconhece talvez que também se apóia... Ás vezes nós somos assim também; ás vezes não gostamos de nos sentir muletas para outros não é mesmo? Oras, estou aqui te ajudando, mas não percebe que no meu sorriso também há lágrimas, não notas que no meu carinho há desespero e no meu amor há dor? E então o castelo é desmanchado e tudo parece ser o fim...

Como somos tolinhos em nos ver como o centro do universo! As cartas voaram com o vento, o castelo caiu, mas houve uma mão e nos colocou ali de pé, ou melhor, inclinados, mas estivemos ali! Não importa a forma, a posição, a hierarquia... E o mais fabuloso disso tudo, é que mesmo separando carta por carta, não deixaram de ser carta, apenas deixaram de ser um falso-castelo... Ser o apoio do outro não mudou o que é ser em si o que é realmente... Preciso do outro para ser o que sou, assim como preciso de minhas asas, de minhas penas, de meus bons olhos e minha invejável visão noturna, minhas garras de caça para ser uma coruja, preciso do outro para saber o que sou, preciso do outro para saber que sou diferente do outro, preciso do outro para me erguer quando minha saúde se ausenta, preciso do outro para descobrir que o silêncio da montanha pode ser uma paz, mas também um inferno, preciso do outro para descobrir que o outro precisa de mim...

O que eu temo é aquilo que minha visão hábil não proporciona que eu veja nem de dia nem de noite, o que eu gostaria de ver – as verdadeiras intenções de todos os corações que rodeiam a montanha que guarda uma Coruja Branca e a Solidão.

Afetuosamente,
C.B."
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