Era, por vezes, de tal modo intelectual que eu me sentia reduzida a nada como mulher, e noutras tão selvagem e apaixonado, cheio de tantos desejos, que quase me fazia estremecer. Umas vezes eu era para ele como uma estranha, outras abandonava-se inteiramente; mas se, num destes últimos momentos, lhe lançasse os braços ao pescoço, tudo podia mudar num só instante e o que eu abraçava era apenas uma nuvem. Antes de o encontrar conhecia já esta expressão, mas foi com ele que eu aprendi o verdadeiro sentido; penso sempre nele cada vez que a utilizo, e é também a ele que devo cada um dos meus pensamentos. Sempre gostei de música. Ele era um incomparável instrumento, sempre vibrante e com uma amplitude que nenhum outro poderá alcançar; ele era a soma de todos os sentimentos, de todos os estados de espírito; para ele nenhum pensamento era demasiado elevado, ou desesperado; podia rugir como uma tempestade de outono, ou sussurrar como uma brisa estival. Não perdia uma só palavra que eu dissesse e, no entanto, nunca podia estar certa de que as minhas palavras alcançavam o efeito pretendido, pois sempre desconhecia qual seria esse efeito. Escutava aquela música que eu própria fazia acontecer. E era com uma inexprimível angustia, mas misteriosa, feliz e inefável, que eu escutava essa música que eu própria provocava e, ao mesmo tempo, não provocava, mas era sempre harmoniosa. E ele continuava a enredar-me nas malhas do encanto.
Há um mês
Pudera eu encontrar minha Cordélia... ou melhor, pudera eu tê-la... e pudera eu ser como Kierkegaard foi para ela...