Marianne

Olhando alguns sites pra matar o tédio existencial (ou vivê-lo mais), encontrei alguns poemas de Fernando Pessoa...

Chove. Nenhuma chuva cai...

Chove? Nenhuma chuva cai...
Então onde é que eu sinto um dia
Em que o ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te de meu...

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento...

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro... E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuto, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim...


Não sei quantas almas tenho

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que sogue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.

Fernando Pessoa
Pensadores | edit post
2 Responses
  1. Olá Marianne, como vai?

    Esse segundo poema do Pessoa me interessou bastante! Recentemente postei uma entrevista do Jacques Derrida refletindo sobre o tema das assombrações que lidamos cotidianamente; ou os fantasmas que carregamos conosco, como quiser. O título dessa poesia "Não sei quantas almas tenho", por motivos óbvios me chamou atenção.

    "Quem sente não é quem é,
    Atento ao que sou e vejo,
    Torno-me eles e não eu".

    É a parte que eu mais gosto. Parece um beco sem saída. O convívio social e todas as convenções associadas a ele nos afastam de nós mesmos, da mais íntima morada do ser.

    Logo, a alienação do mundo como o conhecemos poderia ser a solução para obtermos respostas mais precisas sobre nós mesmos.

    Talvez o preço seja caro demais. E a ausência de identidade própria ainda seja um conforto para o indivíduo que ainda prefere se ver como parte do todo.


  2. Marianne Says:

    Caríssimo Diego,

    Obrigada pelo comentário, deixe a resposta em seu blog, acredito que fica mais fácil para você ver.

    Abraços.


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